19
Out 10

 

 

- Não sei… Acho que isto não me está a assentar muito bem. E esta cor… Vermelho.

- Então, o vermelho é a cor do Benfica.

- Pois, mas não gosto. Dá muito nas vistas. Olha, passa-me aí esse azul-escuro.

Andávamos as três às compras. Bem, eu não andava exactamente às compras. A Inês conhecia uma casa onde alugavam fatos e vestidos de cerimónias e, como não tinha dinheiro para comprar um vestido para levar na noite do aniversário da claque, a única solução foi mesmo alugar.

- Eu gosto muito do vermelho.

- Eu preferia se fosse preto…

- Olha lá, porque é que não pedes ao David que te compre o vestido? Tenho a certeza que ele não ia recusar.

- Ah, não Inês. Isso nunca. Era o que faltava, andar a pedir coisas ao namorado.

- Então de que é que vale namorares um tipo rico se não podes ter qualquer coisita de vez em quando? Se fosse eu pedia-lhe.

- Pois, mas eu não. Não estou com ele por causa do dinheiro. E depois rico ou pobre dá-me no mesmo. Não gosto de pedir nada a ninguém.

- Esses teus princípios ainda vão ser a tua ruína. Ás vezes és rígida demais, até contigo própria…

- Concentra-te! Este ou o vermelho? Não me consigo decidir. Para mim são os dois… desproporcionais.

- Porquê? Eu acho que são lindos, mas prefiro o vermelho. Agora tu…

- Eu também gostei mais de te ver de vermelho, estilo “femme fatale”.

- Que engraçadas que vocês me saíram.

- Olha, isso é porque não estás habituada a usar esse tipo de roupa. Mas nestes sítios tem de ser. As pessoas olham muito para o que os outros levam. Costuma até sair nas revistas a lista das mais bem vestidas…

- Não quero saber nada de listas. Aliás, eu nem queria saber nada desta estúpida gala.

- Olha lá, e já falaste com o David? Já combinaram alguma coisa?

- Já falei com ele, mas combinar, combinar, ainda não. Sei que ele vai aparecer por lá com o Ruben e o Gustavo.

- E a Carolina? Também vai?

- Sim, se afinal ficou este tempo todo aqui para assistir a isto.

- Mas o David vai ter contigo, certo?

- Inês, sabes bem que eu e o David não podemos aparecer juntos. Encontramo-nos lá, fazemos um bocado de tempo e depois, como quem não quer a coisa, saímos, muito sorrateiramente. Essa é a minha parte favorita. A hora de saída. – Esbocei um sorriso meio trocista. Com a estadia da Carol em casa do David, eu e ele deixáramos de ter um local onde pudéssemos estar á vontade. Local e tempo. As saudades eram mais que muitas. A verdade é que já tínhamos algo combinado para essa noite, mas não queria dizer nada para não levar com os piropos das duas amigas que tinha. Era quase certo que a Carol iria ficar até ao fim da gala, e nós iríamos aproveitar para namorar. O David já tinha até o local escolhido, mas não me dissera. Como sempre queria fazer surpresa.

Acabei por escolher o vestido vermelho. Era o mais simples e tinha um corte muito bonito, com uma faixa que apertava na cintura. As mangas eram cavas, o decote em bico, e a saia armava um bocado é medida que caia. Muito simples, excepto na cor. Mas enfim. Encolhi os ombros, paguei metade do aluguer, assinei um termo de responsabilidade, e saíamos as três alegres e contentes da loja. O tempo anunciava chuva para breve, por isso apressei-me a pôr o vestido dentro do jipe e levá-lo para casa. Não queria surpresas desagradáveis, ou ainda acabava por ter de pagar mais por um vestido alugado do que por um comprado. A Ana queria que eu arranjasse o cabelo e fosse a uma esteticista maquilhar-me, coisa que recusei imediatamente. Além do aspecto económico, não fazia nada o meu género esse tipo de coisas. Assim, ao fim da tarde, as minhas consultoras de beleza foram mesmo elas. A Inês tratou do cabelo, mas avisei logo que não queria nada espampanante. Quanto á Ana, unhas e maquilhagem ficaram por sua conta. No final, e depois de várias discussões sobre o que elas queriam e eu pedira, o resultado foi até bastante agradável.

- Ficou óptimo. – Disse. – Era isto mesmo que eu queria.

- Ficou horrível. Esse cabelo está super normal, não me deixaste dar asas á imaginação. Se me tivesses deixado trabalhar como eu queria, aá sim ias parecer uma

- Perua! Era isso que eu iria parecer. Uma autêntica perua.

- Eu ia dizer princesa, mas pronto. Ao menos podias ter-me deixado apanhar um pouco o cabelo. Ficava mais glamoroso.

- Está perfeito assim.

Nesse momento ouço um “bip” do telemóvel. Era uma mensagem do David.

“ Saudades de você. Já preparei tudo para nós, depois te encontro lá. Beijos garota linda.”

Sorri e corei ao mesmo tempo. Também tinha saudades.

- Ai! Ai! O amor é lindo, e faz-nos ficar com cara de pateta, também. Não sei se me quero apaixonar…

Olhei a Ana de lado.

- Tu estás desejosa de te apaixonares.

- Não estou nada.

- Olhem, eu não estou é nada desejosa de me ir embora trabalhar. Há pessoas de sorte. Tu vais como convidada, e nós como empregadas.

- Acredita que trocava contigo num instante. Pelo menos não tinha de aturar conversas idiotas e sem sentido.

- Pois, mas assim não tens de servir as “ Tias” que se acham o máximo.

- E os seus projectos, não te esqueças Inês. Patrícia e suas pupilas.

Demos todas uma gargalhada. Ninguém suportava a Pat. E realmente já a via, daí a muitos anos, a organizar outras galas de aniversário da claque benfiquista, e fazer discursos de horas. Que seca, mas bem a cara dela.

- Bom nós vamos andando, senão chegamos atrasadas. Não te esqueças do casaco, e leva sombrinha. Vai chover, com certeza, e esse vestido não se pode molhar.

- Eu sei, não se preocupem. E obrigado. Acho que deviam pensar em abrir um salão.

- Só se me deixassem pentear á minha maneira. Ainda acho que devias ter apanhado o cabelo.

  •   

A noite estava realmente fria, e o céu completamente tapado de nuvens. A qualquer momento se esperava a carga de água vinda lá de cima. Agasalhei-me bem no casaco que levara, e, por precaução levei também a sombrinha. Não era nada chique chegar de guarda-chuva na mão, mas apanhar molha era bem pior.

Entrei no imenso salão que já conhecia. As mesas estavam dispostas paralelamente umas às outras, e de frente para o palco. Este tinha uma enorme faixa por cima, com letras vermelhas. No centro, um microfone esperava pelo orador. Eu mantive-me algum tempo na entrada, a admirar tudo aquilo. Pela primeira vez ia entrar num mundo que não era meu, fazer parte do imaginável. Engoli em seco. Que falta de fazia o David…

- Mel, querida! Chegaste. Ainda bem. E mesmo a horas. Que pontual.

- Olá Pat. Sim, não gosto de chegar atrasada.

- Olha, a tua mesa é aquela ali, a principal. Vais sentar-te connosco. Anda eu mostro-te o lugar.

Segui a Pat pelo salão, olhando ora para um lado, ora para o outro. Tinha de admitir que a decoração estava o máximo.

- Já agora Mel, adoro o teu vestido. E a cor combina com a decoração e tudo. Estás perfeita.

- Obrigado! – Disse. Aquela simpatia da Pat soava tão falso como algumas das suas partes corporais ( segundo a Inês, ela era uma cliente assídua nas clínicas de estética e plástica).

- O teu lugar é este aqui, ficas mesmo ao meu lado. Aquele ali é para a Carol. Tu já conheceste a Carol, não já? Ela namorou com o David.

- Sim, eu sei quem é.

-Bom, estás á vontade. Eu vou circular e orientar as pessoas. Os resto das meninas não deve tardar aí. Nem todas são pontuais como tu. Até já Melzinha.

Detestava quando me chamava Melzinha. Dava-me arrepios ouvi-la. Olhei para trás na esperança de ver alguma cara amiga. Mas ainda era cedo. Deviam estar lá dentro. Só a Soraia e mais três colegas do restaurante circulavam com as entradas. Resolvi sentar-me e esperar que começassem. “Ai, David! Chega depressa!”.

  •   

O jantar decorreu normalmente, com música ambiente á mistura. A comida devia estar muito boa, mas nem a saboreei. O meu estômago tinha um nó e não aceitava nada. O David ainda não tinha chegado. Nem a Carol. O Ruben e o Gustavo sim, mas dele nem notícias. Quando vi o Ruben entrar sozinho, a minha primeira reacção foi levantar-me e ir ao seu encontro naquele momento. Queria saber onde estava o David, e porque razão não tinha vindo com ele. Mas não podia. Tomar essa atitude era denunciar-me perante toda a gente. Porque razão me iria eu dirigir a um jogador do Benfica, com a ansiedade estampada na cara? A única coisa a fazer era manter-me quieta no meu lugar e esperar. Esperar que algum dos dois chegasse. E depressa…

- Mel? Pareces tensa querida. Passa-se alguma coisa? – Perguntou-me a Pat, com a sua simpatia habitual.

- Não… nada.

- Estás á espera de alguém? Não paras de olhar para a entrada. Até parece que procuras alguém.

- Não, ninguém. – Menti mais uma vez.

- Realmente temos algumas faltas esta noite. Acho de mau tom as pessoas não avisarem quando não aparecem. Por muito bom que seja o motivo.

- Sim… - Respondi, mas nem estava a prestar atenção á conversa.

- Olha, a Carol por exemplo. Podia ter avisado que ela e o David afinal não vinham.

A minha cabeça deu meia volta num milésimo de segundo e de repente estava mais sintonizada que uma estação de rádio.

- O quê?

- A Carol e o David. Não é preciso ser muito inteligente para juntar dois mais dois, não é? Afinal, nem um nem outro ainda deu a cara.

- Mas, tu achas que se passa alguma coisa entre eles?

- Talvez. Porquê o súbito interesse Melzinha? Não me digas que também estás caída pelo David?

- Eu? Não, que ideia.

- Ainda bem querida, porque ele não é para ti.

Nesse momento alguém chamou a Pat para ir ao Palco, e a nossa conversa ficou por ali. Ou pensava eu…

- Olá, Boa noite a todos. Antes de mais quero agradecer a todos os presentes pela sua participação e apoio que sempre nos deram ao longo de todos estes anos. Sem vocês á muito que a claque feminina já tinha deixado de existir. Felizmente, temos sabido manter a qualidade nas nossas actuações, em parte por causa das pessoas que dela fazem parte. Todas nós crescemos nesta casa Benfiquista, todas nós descendemos que um membro anterior, de um dirigente, de um sócio. E é por isso que somos a claque mais respeitada dos clubes. E vamos continuar a sê-lo. Apesar de todas as adversidades, e de neste momento estarmos a aceitar qualquer tipo de membro, garanto-vos que a nossa tradição vai subsistir. É verdade que durante este ano aceitámos alguns membros fora das normas habituais. E apesar da sua qualidade em campo, nota-se um certo desconforto e alguma dificuldade em acompanhar com as restantes. E depois temos tido também alguns problemas que eu gostaria de salientar, por achar que põem em risco a qualidade a que sempre nos propusemos. Temos o caso concreto da nossa companheira mais nova, que se envolveu com um jogador de futebol do SL Benfica.

Não queria acreditar no que acabara de ouvir. Em pleno discurso e para que toda a gente presente pudesse ouvir, a Pat acabava de denunciar o que se passava entre mim e o David. É claro que ainda não tinha dito nomes, mas conhecendo a Pat como eu a conhecia, tinha a certeza que iria fazê-lo. Fitei-a muito séria do meu lugar, na esperança que pudesse ver a minha cara de súplica, mas esta nem me dirigiu o olhar, e continuou.

- Todos sabemos o quão prejudicial uma relação pode ser quando os sentimentos se intrometem no meio de algo tão sério, como é a nossa claque. E ainda pior quando uma das partes envolventes não faz parte da nossa tradição, não a compreende. Como é possível uma rapariga que trabalha como empregada no restaurante do Clube, mal tem meios de se subsistir a ela própria, e isso vê-se pelo vestido alugado que trouxe á gala, e mantém uma relação em segredo com um jogador. E ainda por cima tratando-se do jogador em questão. Nada mais, nada menos que o nosso tão querido David Luiz.

Baixei a cabeça. Era óbvio que toda a gente já se apercebera de quem ela falava, e os que não faziam ideia de quem era a empregada, procuravam alguém que se denunciasse. Queria olhar para trás, para o lugar onde se encontrava o Ruben, procurar porque razão não estava o David presente, mas não conseguia mexer um único músculo. Nessa altura desliguei completamente. A Pat continuava a falar, mas eu já não conseguia ouvir mais nada. Só sentia todos os olhares da mesa postos em mim. E não me atrevia sequer a olhar para nenhum deles. Levantar-me e sair estava fora de questão. Só me restava ficar e ver o resultado final daquele discurso tão despropositado. Estava tão perplexa com o que me estava a acontecer, que nem me lembrei de como é que a Patrícia sabia do que se passava. Quando dei conta do burburinho que se fazia sentir na sala, senti alguém sentar-se á minha frente.

- Então Mel, gostaste do discurso?

- Pat…

- Eu acho que foi o melhor que fiz até agora.

Limitei-me a olhá-la nos olhos. Tudo aquilo me apanhou de surpresa, e o meu cérebro ainda não tinha processado tudo o que se estava a passar, e não me deixava reagir.

- Achaste mesmo que ias ter alguma coisa séria com o David? Oh, por favor, diz-me que és mais inteligente que isso, Mel? Eu sei que deves estar a achar-me o pior ser humano do mundo, mas acredita que foi para teu bem. Alguém precisava de te abrir os olhos. Onde é que achas que o David está hoje? Achas mesmo coincidência, ele e a Carol não estarem presentes? Acreditavas mesmo que uma pessoa como tu ia conseguir alguma coisa com um jogador de Futebol? Acorda amor. Isso nem em contos de fadas. Um dia ainda me vais agradecer…

Não aguentei mais e levantei-me. Não olhei para lado nenhum, simplesmente segui em frente, em direcção á porta e saí. Lá fora já há muito que começara a chover, mas eu não liguei. Ouvi alguém chamar-me lá dentro da sala, mas continuei. Não queria ver  nem falar com ninguém. Apressei o passo e perdi-me no meio da escuridão da noite, sozinha, tendo a chuva como única companhia.

 

 

 

publicado por nuncamaissaiodaqui às 17:53

comentários:
aII!! essse captulo ta DEMAIS!! emocionante! xD
hum CABRA CABRA a pat!!

podias por a foto do vestido, para imaginar-mos melhorR, apesar que na tua FIC tudo parece real,devido a tua ecsritas maravilhoSA!!!
CONtinua!! quero mAISS!!! ^.*
biaC a 20 de Outubro de 2010 às 18:25

Vou postar aqui a fan fic da Sandra. Espero que gostem :)
Agradecimento
Muito obrigada a todas que comentam a fan fic :D