24
Set 10

Acordei com o vento a bater-me na cara e o barulho dos jardineiros que cortavam a relva. Dei um salto ao perceber onde estava.

- David! Acorda. Oh, Meu Deus! Deixámo-nos dormir aqui. E agora? E olha as horas, tenho aula daqui a meia hora.

- Hã! O quê…

Levantei-me e tentei puxar o David por um braço. Mas era escusado.

- David, queres fazer o favor de acordar? Como é que saímos daqui agora? As pessoas vão ver-nos, como é que explicamos isto? Anda lá.

- ´Tou indo.

Agarrei no casaco dele e olhei em volta. As únicas pessoas que avistei estavam lá em baixo, e com um pouco de sorte a maior parte dos funcionários ainda estariam parados no trânsito. Saímos das bancadas e entrámos, sempre com o cuidado de ver se estaria alguém por ali. Apesar de ainda estar tudo fechado, as pessoas começavam a chegar e achei melhor separar-me do David. Demos um beijo rápido e cada um seguiu o seu caminho. Com a pressa nem me lembrei que não tinha boleia para voltar para casa. Ir de metro era a única solução, mas ia perder imenso tempo e a primeira aula estava prestes a começar. Não valia a pena o stress. Com certeza que não iria chegar a tempo. O melhor seria esperar pela Ana, e depois ficar com o Jipe. Dirigi-me então para as traseiras do restaurante. Ali sempre estava mais protegida dos olhares alheios.

Esperei cerca de meia hora até aparecer o Gui, o cozinheiro. Era ele que abria a porta de trás. Por sorte o Gui era uma daquelas pessoas muito distraídas, só via alimentos e cozinha à frente, e por isso não ligou ao facto de eu estar tão cedo à porta de entrada do pessoal. Entrei e fingi que ia começar a fazer qualquer coisa, quando na realidade o meu horário era nesse dia o da tarde. Pouco depois chegou a Soraia. Com ela a história já era diferente. Assim que deu de caras comigo franziu a testa em tom interrogativo. Nunca tivera muita intimidade com ela, e depois do que se passou durante o jogo de voleibol na praia, em que pedi ao Jorge para a substituir, reparei que praticamente me deixara de falar. Mas nessa manhã fez questão de me interrogar.

- Tu aqui por esta hora? Não é normal. E onde é que está a tua cara-metade?

A cara-metade a que se referia era a Ana.

- Pois, hoje vim mais cedo. A Ana ainda não chegou.

- Hum…

Passou por mim com a atitude que adoptara nas últimas semanas: a de completo desprezo. Para mim era até melhor que o fizesse. Não estava preparada para responder a perguntas indesejáveis. E além disso, sabia muito bem que a Soraia era amiga da Patrícia. Daquelas amizades que convinha. Sim, porque não imaginava nada a Patrícia amiga de uma simples empregada de restaurante. Aquela vinha da classe média alta, e todos aqueles que não fizessem parte desse círculo eram excluídos imediatamente. Sabia muito bem que só falava com a Soraia para que esta a mantivesse a par do que se passava no clube. Passava muita coisa por ali. Quanto à Soraia também não era nenhuma ingénua. Ela sabia bem quais as intenções da Patrícia, mas precisava dela para se manter dentro do círculo. No fundo ajudavam-se uma à outra.

Os próximos a chegar foram a Inês e o Bruno. A Inês ia começar com as suas, mas reparou que eu ainda levava a mesma roupa do dia anterior, e calou-se a tempo. No entanto, o Bruno também reparou nesse pormenor.

- Mel, o que fazes aqui, não entras só à noite? Essa roupa é a mesma de ontem.

Olhei para o Bruno sem saber o que dizer, e foi a Inês quem me salvou.

- Claro que é de ontem. Não vês que a rapariga não se deitou? Daqui ainda fomos para a farra. Também temos direito a uma de vez em quando.

- Hum, e deve ter sido uma bela farra, para nem teres tido tempo de ir a casa mudar-te.

- E por acaso tens alguma coisa a ver com isso?

- Não, só estava a comentar. Caramba Inês, hoje não se pode dizer nada.

- Pode, desde que não seja asneira. Vai trabalhar, vai.

- Então e tu não vens também?

- Bruno, queres fazer o favor…

O Bruno já não disse nada. Limitou-se a encolher os ombros e foi trocar de roupa.

- Obrigado. Fiquei sem saber o que dizer.

- Pois, eu reparei. Mas agora explica. Por que raio estás tu aqui a esta hora e com a mesma roupa?

- Passei a noite aqui no estádio…

- O quê? Com o David?

- Sim.

- Mel Andrade, nunca pensei que vocês fossem dados a essas coisas. Sexo cheio de adrenalina. E o David, com aquela cara de santinho. Onde foi?

Olhei para a Inês completamente atordoada.

- Não foi nada disso. Será possível que não pensas em mais nada? Nós deixámos dormir lá fora, nas bancadas. Mas só dormimos.

- Pois para mim, mais valia que tivessem aproveitado de outra maneira. Que graça é que tem dormir. E com um homem daqueles. Que desperdício.

- Alô, eu estou aqui?

- Eu sei. E só estou a comentar. Sem ofensa, mas agarraste um belo pedaço de mau caminho. E eu gosto sempre de admirar pedaços de maus caminhos. Mas quando já estão comprometidos, fico-me só pelo admirar. Principalmente quando estão comprometidos com as amigas.

- Eu sei. – Disse abraçando-a. A Inês era, acima de tudo uma pessoa com carácter. E tinha um coração do tamanho do mundo.

A Ana acabou por chegar também e eu pude finalmente ir à minha vida.

  •    

No resto da semana tive alguma dificuldade em ver o David. A equipa estava a preparar nova ida ao estrangeiro, por causa da champion. E eu, atrasada como estava na faculdade tive de me actualizar. Nos dias de ensaio da claque lá nos cruzávamos, mas nem pensar em fazer qualquer sinal. Assistência a mais. E quando ficava até mais tarde na faculdade, saía sempre a horas dele já estar deitado, por causa dos treinos. Foi só na véspera de partirem para fora que conseguimos arranjar um tempinho para a despedida. O David e o Ruben iriam passar lá em casa. O Ruben combinou de sair com a Ana, para podermos ficar mais á vontade. Mas eu desconfiava que desde a nossa ida a Espanha se passava mais qualquer coisa. Só ainda não tinha comentado nada. Queria esperar para ver. Quanto a nós, era a primeira vez, depois de namorarmos, que íamos estar tanto tempo separados, e eu já começava a sentir saudades.

- Vou ligar p´ra você todo o final do dia.

- Acho bem que o faças. Mesmo assim vou morrer de saudades. Estou completamente viciada em ti.

- É… Ninguém consegue resistir ao meu charme. Acho que é por causa dos caracóis.

- Ha, há! Que graça.

David chegou-me mais para perto dele e abraçando-me disse:

- Eu estive pensando numa coisa. Que tal eu te dar uma chave do meu apartamento p´ra você? Assim você podia passar lá, sempre que saísse da faculdade.

- Não sei, eu… Não quero impor a minha presença.

- Deixa de ser boba. Você não sabe que eu adoro ficar com você?

- Sei. Acho que sei.

- E ainda dúvida?

- Não. Mas ás vezes pergunto-me se não será um sonho. Eu… e tu.

- É sonho sim. Mas de verdade.

Há uma sinceridade nos olhos de David que me fazem acreditar nele totalmente. Ele podia ter escolhido qualquer outra pessoa. Mas escolheu-me a mim. Como podia eu duvidar?

Passámos o resto da noite aconchegados um no outro, sentindo o cheiro e o corpo, preparando-nos para a despedida. Não eram muitos dias, mas eram os suficientes para eu morrer de saudades.

  •   

Quatro dias sem ver o David equivaleram a quatro meses. A equipa regressou numa sexta-feira, e nesse dia o clube iria dar uma festa de propaganda, para os seus elementos vips. A festa seria num desses clubes da moda, frequentados por figuras públicas, e os jogadores presentes seriam um dos alvos da noite. A equipa do restaurante foi chamada para tratar do serviço de bar, e o David e eu combinámos de nos ver lá, uma vez que antes seria impossível. A minha cabeça parecia um cata-vento, de um lado para o outro, a tentar encontrá-lo. Atrás do balcão, tentava a todo o custo ver quem chegava.

- Calma rapariga. Ainda tens um torcicolo de tanto esticares o pescoço. Quando ele chegar ele vem ter contigo, com certeza.

- Eu sei, mas estou ansiosa para o ver.

- Quem diria. Estás mesmo apanhada de todo.

Fiz uma careta à Inês e continuei a minha busca. No entanto esta tornou-se mais difícil com o número de pessoas que iam enchendo o bar, cada vez mais. Tive de desistir pois o bar estava também a ser muito procurado. A certa altura baixei-me para tirar gelo da arca e quando me levantei tinha o David à minha frente, do outro lado do balcão, a sorrir para mim. Paralisei durante alguns segundos. Queria ter-me atirado para os seus braços naquele preciso instante, mas contive-me. Alguém perguntou pelo gelo e eu despertei do meu transe e fui terminar a bebida. Depois aproximei-me dele novamente. O Ruben estava a seu lado a conversar com o Luisão. O David pediu-me uma água e fui buscar. Quando lha entreguei pegou na minha mão e, sem ninguém perceber, entregou-me um pequeno pedaço de papel dobrado em quatro partes. Olhei-o de frente e piscou-me um dos olhos. A seguir afastou-se. Guardei o bilhete dentro do bolso e fiz sinal que precisava sair para ir buscar qualquer coisa. Abrigada a um canto, tirei o bilhete, desdobrei-o e comecei a ler.

“ Estou esperando por você na varanda. Fica atenta ao sinal, e dá um jeito de me seguir. David Luiz”

Voltei a dobrar o papelinho e a guarda-lo. Depois peguei numa caixa com base para copos e voltei para o bar. Se antes já estava ansiosa, agora estava capaz de subir pelas paredes. Não tinha visto o David sequer entrar, como é que eu ia ver quando ele começasse a subir para a varanda? Resolvi pedir ajuda à Ana. Esta prometeu que se visse alguma coisa me avisava, mas ia ser difícil descobri-lo no meio de tanta gente. Começava a achar aquela ideia mito estúpida quando me virei e vi o David e o seu grupo, muito bem posicionados, num ângulo perfeitamente visível de onde eu estava.

“Claro Mel. Ele pensou em tudo”. Esbocei um sorriso e continuei com o meu trabalho. Estava completamente à vontade, pois onde ele se encontrava eu conseguia vê-lo lindamente. Não havia o problema de sair sem eu dar conta.

A música estava animada, o pessoal divertido e a noite decorria sem problemas de maior. De vez em quando eu lançava o olhar na direcção do David, mas ele continuava lá. E muito mal acompanhado por sinal. A Patrícia e as suas seguidoras de claque já se tinham infiltrado no meio do grupo. Como sempre a Pat estava mesmo do lado do David, falando e rindo, e não perdia uma oportunidade para se insinuar corporalmente a ele. “ Que grandessíssima vaca”, pensei. De repente o David levanta-se, e o meu coração disparou quando o vi abrir caminho por entre os colegas e dirigir-se para as escadas que davam acesso a uma porta de saída. Ele também olhou para mim, para se certificar que eu tinha visto e, muito suavemente fez-me sinal que o seguisse. Procurei a Ana e disse-lhe que ia sair. “ Se alguém perguntar, fui à casa de banho”. Ela assentiu e eu meti-me pelo corredor que dava acesso às traseiras. Lá havia outra porta de acesso à varanda, e eu podia sair sem levantar suspeita. Subi os degraus de 2 em 2, e em poucos segundos cheguei lá acima. Saí, e vi o David encostado à parede do outro lado. Corri para ele, desejosa de o abraçar e beijar. O David abraçou-me pela cintura e levantou-me no ar enquanto me beijava intensamente. Foi um daqueles beijos para matar saudades, em que saboreámos cada movimento, sem pressas. Quando nos afastámos sorrimos um para o outro e eu não resisti e encostei-me ao seu peito.

- Tive tantas saudades… - disse.

- Eu também morri de saudades.

Voltei a afastar-me para o encarar novamente.

- Nunca mais me deixes assim.

Ele riu, Sabia que era impossível o que lhe pedia, mas entrou no jogo.

- Prometo! Nunca mais vou deixar você por mais de um dia.

- Isso é muito. Meio-dia.

- Sim senhora. – Disse enquanto fazia continência.

Beijámo-nos outra vez. Senti um arrepio quando colocou a sua mão abaixo da minha cintura e me prendeu com mais força nos seus braços. Naquele momento nada mais existia alem de nós dois. Senti o desejo apoderar-se de mim, e tentei a todo o custo manter o sangue frio. De repente travei aquele beijo e parei.

- Psiu! – Disse. – Não ouviste nada?

- Não. – Respondeu, ficando também ele imóvel, à escuta.

- Podia jurar que tinha ouvido qualquer coisa.

- Deve ter sido só o vento. Só estamos nós dois aqui.

E puxou-me novamente para ele, pronto para me beijar outra vez.

- Estou louco p´ra ficar sozinho com você. A que horas você sai.

- Não sei bem. Acho que só mesmo no fim da festa.

- Não pode sair mais cedo? A festa tá meio sem graça, tou querendo ir embora logo.

E nisto beijava-me o pescoço e dava pequenas mordidelas nas minhas orelhas.

- A sério? – Perguntei a rir. – Donde eu estou não parece que estejas assim tão chateado. Eu bem vi a Pat juntinha a ti.

- Está com ciúmes?

- Ciúmes? Eu? Não!

- Está com ciúmes sim, boba. Você sabe que eu não tenho o mínimo interesse na Pat. Mas não posso dispensar a garoto toda a vez que ela vem falar comigo. A menos que você queira, e eu apresento minha namorada p´ra ela.

- Não! – Gritei. – Deixa estar. Eu sei que não a podes mandar embora cada vez que ela se chega a ti.

- Vem cá. É você que eu quero perto de mim.

Era impossível resistir aos encantos dele. Nem que eu quisesse fazer o conseguiria fazer. Deixei-o explorar-me da maneira que mais lhe agradava. Perdia a noção de tudo nos seus braços.

- David?

- Sim?

- Mas da próxima vez, quando ela se chegar mais perto de ti, desvia-te, sim?

Ele deu uma gargalhada e prometeu fazê-lo.

- Oh mulher ciumenta que eu arranjei.

Tive de arranjar forças sobre-humanas para me conseguir separar dele e voltar para dentro. O David fez o que me disse, e abandonou a festa pouco depois. Eu fiquei até ao fim, e cumpri o meu horário. Mas o pensamento há muito que estava com ele. E o coração também.  

 

 

publicado por acordosteusolhos às 19:23

Adorei a tua fic, podes continuar!
Diana a 24 de Setembro de 2010 às 23:38

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Vou postar aqui a fan fic da Sandra. Espero que gostem :)
Agradecimento
Muito obrigada a todas que comentam a fan fic :D