22
Set 10

Outubro. O mês do Outono, a minha estação do ano favorita. Nem muito quente, nem muito frio. Era também o mês dos meus anos, mas só a Ana sabia disso. Este ano não estava com espírito para comemorações, muito menos aniversários. Por isso avisei-a para que não contasse nada a ninguém. Muito menos ao David.

Tirei uns dias do trabalho para me dedicar aos estudos. Havia ensaios a fazer, trabalhos para entregar, e exames já marcados que precisavam de toda a minha atenção. Tínhamos também de entregar a peça por escrito do fim do ano. A semana que antecedeu aos meus anos foi por isso muito complicada, e mal tive tempo para estar com o David. Foi uma autêntica tortura. Comunicámos por mensagens e pouco mais. Á noite, antes de dormir ele ligava sempre e ficávamos na conversa até o cansaço se apoderar de nós. Uma das vezes dormi a noite toda com o telemóvel debaixo da orelha. Passei todo o dia com a mesma dorida. No Fim-de-semana foi a vez dele estar ocupado. Iam jogar à Madeira e tiveram de sair na véspera. O Jogo era Domingo à noite, e só devia regressar no dia seguinte, dia dos meus anos.

Costumava sempre juntar um grupo de amigos e, com a família mais chegada, fazer uma espécie de reunião na casa da minha mãe. Havia comida, víamos filmes, contávamos piadas, cantávamos, e a animação era uma constante. Desde que me lembro organizava esse tipo de coisas, e tudo servia de pretexto para reunir os amigos. Mas isso era antes, na minha antiga vida. Agora, a minha única família eram a Ana e os amigos da Catedral e da faculdade. Esta era a minha nova vida. E por muito que sentisse falta da casa que deixara, a verdade é que estava feliz ao lado dos amigos, e do David. O David Luiz. O jogador do meu clube de coração, por muitos considerado como um dos melhores defesas do mundo, e assediado por centenas de raparigas. Costumava dizer isto a mim mesma várias vezes, para me convencer de que não era uma sonho, e que realmente estava a vivê-lo. E pouco a pouco começava a acreditar.

  •  

Segunda-feira, dia de anos. Tive aulas de manhã e à tarde aproveitei para uma volta ao ginásio e ensaiar uns passos. Era suposto regressar ao trabalho essa tarde, mas o Jorge pediu-me que trocasse a folga. Ia precisar de mim mais para o fim-de-semana. A mim até calhava bem, pois o David ia chegar e eu podia sair à hora que quisesse para ir ter com ele. Estava a morrer de saudades. Passei o dia numa ansiedade, à espera que me ligasse, mas o raio do telemóvel nunca mais dava sinal. Fui inclusive almoçar ao refeitório da faculdade para poder ver nas notícias se a equipa já tinha chegado ou não. Como tinham perdido o jogo, a abertura do telejornal foi logo essa: “ Campeões perdem na Madeira”. O David não devia vir satisfeito. Mal falara com ele na véspera, mas percebi que estava meio triste. Ele era muito emotivo nestas coisas. A notícia mostrava também a equipa a chegar a Lisboa. “Já chegaram”, pensei, “Então porque é que ainda não disse nada?”. Fui invadida por uma pontinha de desilusão. Aqui estava eu, ansiosa por vê-lo de novo, por estar com ele, senti-lo e ele já estava em Lisboa há mais de 2 horas e nem uma mensagem a dizer “Cheguei”. Mas depois achei que estava a ser injusta. Ele devia estar super cansado da viagem, e se calhar o Jesus ainda lhes pediu para fazerem alguma coisa quando chegassem. “Provavelmente ainda não teve tempo”, acabei por concluir. E tentei não pensar mais no assunto. Mas não fui capaz. De 10 em 10 minutos ia ver se tinha recebido alguma mensagem. Nada. Aquilo começava a dar-me nos nervos. Mas onde estaria ele enfiado? E o que seria assim tão importante para fazer que nem uma mensagem me mandava?

Já passava das seis horas da tarde quando finalmente recebi uma chamada do David. Atendi, disfarçando a ansiedade que sentia.

-“Oi docinho, Onde você está?”

- Na faculdade, mas já não tenho aulas.

- “Óptimo. Estou indo pegar você aí.”

Desliguei o telemóvel e apressei-me a pôr as coisas no saco desportivo. Finalmente ia matar saudades…

  •   

Quando o David chegou eu já estava cá fora á sua espera. Entrei no carro e beijei-o de imediato.

- Tudo isso são saudades? – Perguntou a rir.

- Talvez. Não tiveste saudades minhas?

- Claro que sim. Pensei em você o tempo todo.

O tempo todo, hã? Então e porque é que não me ligou assim que aterrou? As dúvidas continuavam a assombrar-me, mas não queria perguntar-lhe. Não queria que pensasse que eu era umas dessas raparigas controladoras e histéricas. Por isso achei melhor não comentar nada.

O David deixou-me em casa e disse que passava mais tarde para irmos jantar. Tomei um banho rápido e vesti-me. Queria algo que chamasse a tenção, mas não muito. Só o suficiente para o David não tirar os olhos de cima de mim. Mas não tinha paciência nenhuma para escolher roupa. Que falta que a Ana me fazia. Mas saía mais tarde nesse dia. Optei por uma saia, botas de cano alto, e um top de alças com uma blusa de linha por cima, a descair no ombro. Uma hora depois o David chegou e fez questão de subir até ao apartamento. Não percebi bem porque insistiu em fazê-lo, mas não lhe ia barrar a entrada. Entrou com um ar muito suspeito e eu fiquei ainda mais baralhada.

- Vamos? – Disse. – Ou queres que te mostre a casa? Não tem muito mais k ver. Não é um apartamento como o teu.

Ele abanou a cabeça em sinal negativo. Voltou a sair e quando entrou trazia um saco de papel enorme. Fiquei boquiaberta a olhar para ele.

- Parabéns, Docinho!

Nem sabia o que dizer. Entrei em choque quando me estendeu o saco e me disse aquilo.

- Como… Tu… Eu… Como?

- Eu tenho as minhas fontes.

- Foi a Ana, não foi?

- Não, mas passou perto.

“Inês!”. Aceitei o presente e espreitei lá para dentro. Era pesado.

- Elas não deviam ter dito nada. Eu pedi, implorei que não o fizessem. Oh, Meu Deus! David, Oh! Meu Deus!

Acabara de tirar dois volumes enormes de encadernação original, e de dois autores que eu adorava. Um deles era “As fábulas de La Fontaine”, e o outro “ Obras completas de William Shakespeare”. Cada uma mais cara que a outra.

- Eu andava a namorar estes dois volumes à anos. Anos. Como é que tu… Claro, a Inês.

- Não, esta foi a Ana. Mas já depois de eu saber que era seu aniversário.

Pousei os livros e abracei o David.

- Obrigado! – Disse de lágrimas nos olhos.

- Sempre às ordens.

  •   

Estava explicado porque razão não me tinha dito nada quando chegou a Lisboa. Andou demasiado ocupado a preparar-me esta surpresa. E que surpresa. Ainda não estava completamente refeita do choque, quando reparei que nos dirigíamos para o Estádio.

- Vais ao estádio?

- Correcção. Vamos ao estádio.

Franzi o sobrolho em tom interrogativo

- Vamos ao estádio… fazer mesmo o quê?

- Preciso pegar umas coisas, mas você vai comigo.

- Está bem. – Mas não percebi porque tinha de ir com ele.

Entrámos e dirigimo-nos para a “Catedral”. Fiquei ainda mais intrigada. O David ia buscar umas coisas ao restaurante? Á medida que nos aproximávamos reparei que lá dentro estava tudo às escuras. O David não parecia nada surpreendido com aquilo tudo, e foi só quando me abriu a porta para eu passar que me apercebi o que se estava a passar. Mas era tarde demais. As luzes acenderam de repente e uma multidão de gente conhecida gritou:

-SURPRESA!

Devo ter feito uma cara mesmo esquisita pois parou tudo a olhar para mim, à espera de uma qualquer reacção. Abri e fechei a boca várias vezes mas não saiu nada. Por fim virei-me para o David em ar de quem precisa de ajuda. Ele deu-me um pequeno empurrão para dentro e disse:

- Pensava que seus amigos tinham esquecido de você?

Encolhi os ombros e nisto os meus amigos vêem ter comigo.

- Não achaste mesmo que podias passar por este dia sem nós, pois não? – Disse a Inês.

- Eu, não sei. Como é que conseguiram… isto?

- Então, organizámos uma festa surpresa para ti e o Jorge “alugou” o se próprio espaço para a ocasião. “É a tua prenda”, gritou o Jorge do outro lado da sala. Sem querer fui arrastada para o meio do pessoal da faculdade, colegas de trabalho, amigos e alguns jogadores do clube. Não fora exactamente o jantar que eu estava à espera, mas tinha sido uma agradável surpresa. Virei-me para trás e vi o David sentar-se na mesa do costume, perto do Ruben e do Gustavo. Antes porém, lançou-me um daqueles sorrisos, e eu acalmei. A Ana veio ter comigo e perto do meu ouvido disse:

- Não é a casa da mãe, mas todos gostamos muito de ti.

Olhei emocionada. Que grande sorte eu tinha. Ter amigos como ela, era um privilégio, infelizmente inalcançável para algumas pessoas.

O serão foi super divertido. Os colegas da faculdade fizeram um vídeo com imagens minhas ao som do “closer to the edge”, dos 30 seconds to mars. Fiquei super envergonhada. E depois ainda fui “obrigada” a cantar para eles. Olhei mais uma vez para o David e por instantes pareceu-me ver um misto de orgulho com ternura na sua expressão. A Inês escolhera várias músicas dançantes para animar o pessoal, e mais uma vez eu fiquei na berlinda. Já tarde, O David aproximou-se de mim e puxando-me para um canto disse:

- Vou embora p´ra não dar bandeira, mas fico te esperando lá fora. Vê se não demora muito.

- Não é preciso. A noite está fria, eu vou com a Ana para casa.

- E quem disse que a noite terminou?

Não pude deixar de sorrir. O David despediu-se dos resistentes que ainda estavam na “Catedral”, e saiu. Pouco depois queixei-me do cansaço que sentia, e que tinha de me levantar cedo no dia seguinte, e corri para ele.

  •  

O David já estava cá fora à minha espera quando saí. A noite estava bastante fria e eu tinha-lhe dito que não saísse, podia constipar-se, mas ele não me ouviu. Nunca ouvia. Encontrei-o encostado ao carro, de mãos escondidas atrás das costas e pensei que as surpresas ainda não deviam ter terminado por ali. E tinha razão. Ao chegar perto dele estendeu-me o seu braço direito, que trazia na mão a rosa vermelha mais perfeita que alguma vez me tinham oferecido.

- Obrigado! – Disse, ao mesmo tempo que a cheirava.

David puxou-me para ele e beijou-me. E cada beijo que trocávamos era como se fosse o primeiro, porque trazia sempre um novo sabor, uma nova sensação. E eu sentia as suas mãos passarem pelo meu corpo e era como se me queimassem. Como se o seu toque estivesse de alguma maneira a deixar a sua marca em mim. O que de certa forma era o que acontecia, pois a cada momento partilhado com ele, me sentia mais sua. Eu pertencia-lhe. E não só o corpo, mas também a alma. Principalmente a alma. Aquilo que mais temia estava a acontecer e eu dei por mim a desejá-lo ainda mais.

- Vem, quero te mostrar uma coisa.

Segui-o sem hesitar. Estava tarde e eu estava a ficar realmente cansada, mas obedeci e deixei que me guiasse. Não andámos muito. Levou-me pelo interior do estádio até ao último piso e saímos nas bancadas. Não se via vivalma. Estávamos completamente sós. Andámos até um ponto mais descoberto e bem lá em cima parámos virados para o exterior. A vista sobre a cidade era linda, principalmente à noite. Por cima de nós as estrelas brindavam-nos com o seu brilho e espalhavam a sua magia nocturna. Senti-me abençoada. Devia ser a pessoa mais feliz e completa ao cimo da terra. O David parou atrás de mim e abraçou-me. O seu cabelo caia perto do meu rosto fazendo-me cócegas. E eu sorria, plena de felicidade.

- Estou gostando um bocado de você. – Disse.

- Ainda bem, - Respondi. – Porque eu também estou a gostar um bocado bem grande de ti. E se tu não gostasses ia ser muito chato…

Ele riu. Com uma mão afastou os meus cabelos e começou a beijar-me o pescoço, muito suavemente. Estremeci. Ele sentiu e apertou-me mais contra o seu corpo. Mas continuou naquele jogo perigoso que geralmente nos levava ao êxtase. Fechei os olhos completamente embriagada pelo seu cheiro, toque, beijos…

- David, - Consegui dizer. – É melhor pararmos.

- Desculpa.

- Desculpa por me fazeres sentir bem? Só não acho que o local seja apropriado.

Voltei-me de frente para ele. A sua expressão era perfeita. Cada dia que passava o achava mais lindo. Percorri com as minhas mãos aquele rosto magnífico como se tentasse decorar cara recanto dele. Depois abracei-o pela altura dos meus braços, um pouco acima da cintura e encostei a cabeça no seu peito. Ali era o meu porto seguro.

- Você tá tremendo.

- De felicidade. – Sussurrei.

Sentámo-nos os dois no chão da bancada, abrigados a um canto e encostados a uma das enormes colunas que sustentava o edifício. Eu continuava encostada ao David, tapada pelo casaco que entretanto ele despira. Estávamos agora virados para o interior do estádio. Lembrei-me da primeira vez que me levara ali, depois de um beijo inesperado, para uma conversa que na altura me pareceu deveras constrangedora. Mas tudo isso pertencia ao passado. Todo o constrangimento existente entre nós desaparecera, e eu sabia que podia ser eu própria perto dele. Fechei os olhos e senti a brisa fresca da noite passar. Os dedos do David brincavam com o meu cabelo, e eu deixei-me levar pela sensação de relaxamento que isso me provocava. Adormeci pouco depois, sem qualquer receio de estar cá fora, na rua, em plena bancada do estádio da Luz, pois ao meu lado estava o meu anjo da guarda.

publicado por acordosteusolhos às 19:43

Oh e que anjo da guarda ah? Tem caracois e tudo :D
Tambem quero um assim :p

Adorei o capitulo!
Magda a 22 de Setembro de 2010 às 21:57

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Vou postar aqui a fan fic da Sandra. Espero que gostem :)
Agradecimento
Muito obrigada a todas que comentam a fan fic :D