- Eu não sabia que você tava namorando.
- Eu também não sabia que tu e a Pat eram assim tão amigos.
David riu.
- Ela não é tão ruim assim…
Fiz um sorriso irónico.
- Claro que não é.
- Parece que tá com ciúmes.
- Eu? Ciúmes? Não sei do quê.
- De mim…
- Tu realmente deves-te achar o máximo, não? Deve ser bom viver no teu mundo.
- Você deve saber. Já viveu nele…
- E devia de estar era parva.
- É, devia mesmo. Mas por mim.
- És tão engraçado. Não sei porque é que ainda não estou a rebolar no chão de tanto rir.
Subitamente, tudo no David me começava a irritar e aquela conversa estava claramente a afectar-me.
- Está tudo bem aqui? - Pat aproximara-se de nós com dois copos na mão. – Desculpa Mel, não trouxe para ti. Queres que te vá buscar alguma coisa.
Semicerrei os olhos. Que diferente era aquela Pat que estava ali na minha frente. Mas não era por estar ao pé de mim, mas sim do David. Era tão óbvio. Como é que ele não via aquilo?
- Não, obrigado Patrícia. Servir as pessoas não é bem a tua vocação. Vou andando para perto dos meus.
E afastei-me. Não suportava a Pat, e cada vez se tornava mais evidente que começava a não suportar o David. Que raiva!
Quando o Jaime me viu chegar, reparou que algo não estava bem.
. Mel, Que se passa? Pareces agitada.
- Agitada, eu? Não! Porque é que eu havia de estar agitada?
- Aconteceu alguma coisa, sim. Eu já te conheço um bocadinho. Tu não tens jeito para mentir.
“ Bolas!”, pensei. “ Como é que tu estás num curso que te dá aulas de teatro, e depois não consegues disfarçar nada, Mel Andrade. Tenho de começar a praticar mais.”
- Não foi nada. Foi só um encontro desagradável. Prefiro não falar disso.
- Tudo bem, se não queres falar não falamos.
- Obrigado. A Inês está a chamar-me. Volto já.
Do outro lado da sala, a Inês levantava o seu braço e rodava-o várias vezes no ar para me chamar a atenção. O pior foi que chamou várias atenções…
- Que é isso Inês? Parece que estás a ter um ataque de qualquer natureza desconhecida.
- Estavas a falar com o David? O que é que ele te disse?
- Inês! Fazes-me atravessar a sala de uma ponta à outra só para matares a tua curiosidade?
- Claro. Depois da cena de há bocado achei que te ias estatelar ao comprido no chão se o David se aproximasse de ti outra vez, e no fim não aconteceu nada. Nem um desmaiozinho…
- Tu ias adorar que se desse aqui uma cena, não ias?
- Ai, só tu para me dares um pouco de emoção. A minha vidinha anda tão sem sal…
Rimos as duas. Realmente a festinha de noivado estava um bocado parada. Um pouco de emoção não ia fazer mal a ninguém… desde que não fosse eu a dá-la. Olhei em volta e vi o Jaime ainda de conversa com um dos seus colegas. Dei um suspiro e desejei que terminasse logo o assunto para podermos ir embora. Encostei-me ao balcão e observei os meus antigos colegas de trabalho numa azáfama que me era bastante familiar. Pus-me então a recordar os tempos em que trabalhava na “Catedral”. Apesar de tudo foram bons tempos, em que conheci pessoas incríveis e que me ajudaram muito. Subitamente fui invadida por um cansaço extremo e uma leve tontura que demorou apenas alguns segundos. Pensei que não estava no local indicado para ter mais uma crise e procurei pelo Jaime. Mal levantei a cabeça dei novamente de caras com o David que se encontrava do outro lado do bar, mesmo na minha direcção. Desviei imediatamente o olhar.
- Já viste quem está ali?
A voz da Inês pareceu-me distante e assim que me pôs os olhos em cima percebeu que algo não estava bem.
- Mel? O que é que tu tens?
- Acho que vou… Chama o Jaime…
- Oh, Meu Deus! Mel? Sabes que eu estava a brincar em relação a desmaiares, não sabes?
Tentei sorrir mas cada vez me sentia mais fraca. Não sei como ainda conseguia manter-me de pé. O chão começou a andar sem que eu me mexesse e tudo á minha volta girava cada vez mais depressa. A música, as vozes, tudo se misturava dentro da minha mente e eu não distinguia formas ou sons. Por fim deixei-me cair mas fui imediatamente amparada por alguém que me segurou por trás. Tentei levantar a cabeça mas não consegui. E também não precisei. Reconheci imediatamente os braços que me seguraram. Era o David. A Inês tinha-o chamado porque ele estava mais perto de mim. Ele agarrou-me pela cintura e, muito discretamente afastou-me do local. Eu tentava com todas as minhas forças manter-me acordada mas acabei por ceder. Foi então que ele me pegou ao colo.
David levou-me para dentro, seguido pela Inês.
- Vou chamar o Jaime.
David olhou para ela e assentiu. Eu continuava sem forças mas as tonturas tinham passado. Respirei fundo e endireitei-me o mais que consegui.
- Tu também podes voltar para dentro. – Disse. Não me sentia nada á vontade na presença dele.
- Eu não vou deixar você aqui sozinha. Fico até chegar ajuda.
- Mas não é preciso. E a Pat pode não gostar de saber que estás aqui comigo.
- Eu e a Pat somos só amigos. Já o Doutor… esse sim, pode não gostar.
- E porque é que não haveria de gostar? Nunca lhe fizeste mal.
- Você sabe muito bem porquê ele pode não gostar de me ver aqui sozinho com você.
- Isso pertence ao passado. E além disso o Jaime não sabe …
Detive-me. O David não precisava de saber que eu não contara nada sobre nós. Isso era invadir um espaço que já não lhe dizia respeito. Infelizmente, parei a frase tarde demais.
- Você não contou a ele sobre nós?
- Eu também não te contei muita coisa a ti. Os meus ex, por exemplo…
- Mas eu pensei que você tivesse dito a ele… Tá com medo de alguma coisa?
- Não, não estou com medo de nada e sinceramente esta conversa não me agrada. Já estou melhor. Acho que vou eu á procura do Jaime.
Tentei levantar-me, mas tive novamente uma vertigem. Só não me estatelei ao comprido porque o David me amparou… mais uma vez.
“ Bolas outra vez!”
Quando olhei para cima a minha cara estava quase colada á dele. Os olhos dele estavam fixos em mim. E que olhos, Meu Deus. Era capaz de ficar horas a olhar para eles. Perdia-me completamente.
- Tá vendo no que dá você ser casmurra… mas continua linda.
Corei. Estremeci. Perdi o chão. A voz dele, o cheiro, o seu abraço forte. Estávamos tão perto que conseguia sentir o seu hálito. Há tanto tempo que não estava assim tão perto dele. Sem querer, comecei a tremer. Mas não porque me sentisse mal disposta ou doente. Porque o seu toque, a sua voz, ainda me afectavam. Não sei como, mas num segundo fechei os olhos e senti os seus lábios junto aos meus. Continuavam macios, quentes. Estremeci novamente e ele sentiu. Apertou-me mais nos seus braços e beijou-me. Senti-me levitar. Foi como se saísse do meu corpo e voasse com ele dali para fora. Foi como… Foi como fora sempre. Mágico! Surreal! Lindo!
Despertei ao ouvir as vozes que se aproximavam, e num impulso, empurrei o David e caí novamente. Quando O Jaime e a Inês entraram depararam comigo estendida no chão e o David debruçado, a tentar levantar-me.
- Mel! O que é que aconteceu?
Jaime correu para mim, e inconscientemente afastou o David. Este deu dois passos para trás e encostou-se á parede oposta, enquanto olhava para mim. Quanto a mim tentava disfarçar o meu embaraço, e pedia a Deus que conseguisse representar melhor do que há pouco.
- Foi só uma vertigem. Já passou.
- Não passou nada. Agora mesmo você quis se levantar e acabou se estatelando no chão.
Olhei para cima, para o David. Notava-se o seu constrangimento.
- Mel, não brinques com coisas sérias.
- Não estou a brincar. Já me sinto melhor.
- De qualquer forma é melhor eu levar-te a casa. Preciso de te medir a tensão e auscultar, e este não é o local indicado. Vamos.
Jaime ajudou-me a levantar e eu apoiei o meu braço á volta do seu pescoço. Dando meia volta, ficámos ambos virados para o David, e eu baixei a cabeça.
- Muito Obrigado por ter ajudado a Mel, David.
- Não foi nada de mais. Ela sabe que pode contar sempre comigo.
Fixei-o. Não sabia que dizer. Só queria sair dali. Acabara de beijar o homem que fora meu namorado, e estava agora agarrada ao meu actual… que situação. Podia esperar tudo menos terminar a noite assim. Ainda meio atarantada, segurei-me ao Jaime com a força que tinha e saímos finalmente, deixando o David e a Inês parados no meio do corredor a ver-nos desaparecer.