23
Nov 10

- Hum! Já vos disse que o café aqui na vossa casa tem um sabor especial. Não sei… é super delicioso.

- Sim, já sabemos. É por isso que não sais daqui.

- Ora, pensem como seria aborrecida a vossa vida sem mim.

- E como não gastávamos tanto em café, também.

Inês e Ana estavam sentadas á mesa e saboreavam o pequeno-almoço. Lá fora, o dia cinzento deixava adivinhar a chuva que com certeza iria cair ainda de manhã. Era já habitual a Inês juntar-se a nós logo cedo, e depois ela e a Ana seguiam para o estádio, enquanto eu ficava com o Jipe para as minhas voltas. A Ana não queria que eu andasse de transportes públicos e ficasse limitada aos horários dos mesmos, apesar de haver sempre algum de cinco em cinco minutos.

- Como é que ela está?

- Está bem… aquilo é mais rijo que o aço. De vez em quando dou com ela a olhar para o infinito, perdida em pensamentos.

- Pensa no David?

- Tenho a certeza que sim, mas por fora, quem a vê, ninguém diz que acabaram de lhe partir o coração, nem que saiu do hospital há menos de uma semana.

- É cá das minhas. Então o coraçãozinho dela foi partido pelo David Luiz! Pfu! Quem quer saber disso? Ela consegue muito melhor se…

- Bom dia, comilonas! Já sentadas á mesa? Ao menos sobrou alguma coisa para mim?

- Tens ali leite quente e o pão está todo na mesa.

Em bicos de pés, apressei a preparar uma caneca de leite que bebi quase de seguida.

- Caramba Mel, e depois as glutonas somos nós…

- Estou á pressa. Tenho de tomar um banho antes de sair, passar na faculdade para deixar umas coisas para o espectáculo, a seguir tenho uma entrevista num bar, e depois ainda tenho de voltar para a faculdade para o ensaio.

- Mel, não abuses… Queres fazer tudo ao mesmo tempo e depois vais-te abaixo.

Pousei a caneca e lancei um sorriso de bigodes de gato, que me ficaram do leite. Depois aproximei-me da Ana e dei-lhe um abraço forte.

- Vou pôr-me debaixo do chuveiro!

E desapareci. Tinha realmente um dia cheio. E, se tudo corresse bem, talvez ainda arranjasse emprego. Um colega da faculdade dera-me o número de um primo que tocava ao vivo num bar, e a banda andava á procura de uma voz. Não fazia ideia de como seria o aspecto ou que tipo de música tocariam, e cantar numa banda seria uma experiência totalmente nova para mim… Exactamente o que eu andava á procura. Coisas novas. Tinha decidido seguir com a vida para a frente, e não perder tempo com sofrimentos. Fizera o meu luto e agora era viver, um dia de cada vez. E eu já era mestre nisso. Continuava no entanto a sonhar todos os dias com o David. Acho que não passara uma noite sem que me aparecesse em sonhos. Lindo como sempre. Os seus olhos esverdeados e o seu sorriso descarado a tentarem-me, noite após noite.

Meti-me debaixo de água e tentei que esta me levasse a sua imagem. Tinha de me concentrar noutros assuntos.

- Mel? – A Ana espreitava por detrás da porta da casa-de-banho. – Nós vamos embora. Logo devo chegar mais tarde também. Se calhar é melhor adiarmos a decoração de Natal para depois.

Abri um pouco da cortina, e respondi:

- Tudo bem. Também não sei a que horas vou chegar. Tratamos disso no fim de semana.

- Ok. Não abuses. E estou a falar a sério.

- Sim, mãe!

  •                 

O duche foi realmente muito rápido. Mal pus o pé fora da banheira ouvi a campainha da porta. Pelo tempo, calculei que fosse uma delas, esquecida de alguma coisa. Corri até á porta enrolada na toalha e em bicos dos pés por causa do chão frio. A campainha tocou mais uma vez antes de ter tempo de abrir a porta. Quando o fiz dei dois passos para trás, tal a minha surpresa.

- Bom dia, Mel. Parece que vim em má hora…

O Dr. Jaime encontrava-se á minha frente, do outro lado da porta, com um ar quase tão atarantado como o meu. Eu estava sem reacção alguma. Jamais imaginaria que o meu Doutor viesse até á minha casa, logo pela manhã, e muito menos que lhe abrisse a porta com uma toalha apenas a cobrir-me o corpo.

“Boa Mel! És mestre em fazer figuras parvas em frente aos outros.”

- Dr. Jaime! Eu… estava no banho… não ouvi a campainha. Desculpe.

- Eu é que peço desculpa por ter vindo sem avisar… O meu sentido de oportunidade não foi muito bom, mas vou entrar daqui a pouco e só podia cá vir a esta hora.

- Claro, eu compreendo. Fez bem em ter vindo agora. – Fiz uma pausa. O que acabara de dizer não fazia sentido nenhum. – Hã, já agora, o que veio cá fazer?

O Doutor deu uma gargalhada. Para ele também não estava a fazer muito sentido nada daquilo.

- Queria dar-lhe uma coisa… Posso entrar?

- Claro, por favor.

Fiquei de tal forma surpresa com a visita que nem me passou pela cabeça convidá-lo a entrar. Desviei-me e o Doutor passou por mim, entrando na minha modesta casa.

- Tem aqui uma casa bastante acolhedora. – Disse.

Eu sorri.

- Acho que é uma maneira de ver as coisas… A-a-a-a-a-tchim!

- Santinho! É melhor vestir-se. Não quero ser responsável por uma gripe. Não fica bem para um médico, sabe.

- Desculpe! Eu volto já. Fique á vontade, como vê a sala é já ali. – Disse, apontando para o meu lado esquerdo.

Dirigi-me então para o quarto o mais rápido que pude. Por sorte já tinha a roupa separada, por isso não demorei muito. Arranjei os cabelos o melhor que pude, lavei os dentes e voltei. Estava intrigadíssima com a visita do Doutor á minha casa, mas a pressa era tão maior que nem tentei adivinhar o motivo da mesma.

- Voltei. – Reparei nessa altura que a mesa ainda estava posta do pequeno-almoço.

“Boa” Mais uma!”

- Peço desculpa… De manhã é sempre uma correria cá em casa. – Disse, envergonhada.

- Não se preocupe com isso.

- Então, Doutor, o que o trouxe por cá?

- Isto. – Levando uma das mãos ao bolso, retirou deste um pequeno saco de papel creme, meio amassado. Estendeu-mo e pediu-me que tirasse o que estava lá dentro.

- Uma caixa de comprimidos… - Disse, com ar meio surpreso, meio irónico.

- Na verdade, tinha pensado trazer-lhe flores, mas a esta hora a maior parte das floristas estão fechadas. E depois, acho que isso vai ser-lhe bem mais útil que um ramo de flores.

Corei dos pés á ponta dos cabelos. Podia esperar qualquer resposta, menos a que acabava de me dar. Ele deve ter reparado, pois esboçou um largo sorriso. Olhei os seus grandes olhos azuis. Era realmente muito atraente este médico.

- Desculpe…  Na verdade, tinha esperanças de a convencer a começar a tomar esses novos comprimidos.

- Doutor Jaime, eu…

- Eu sei. Parou o tratamento como forma de protesto á sua situação. Mas garanto-lhe que estes novos medicamentos não vão afectar em nada a sua condição. Na verdade, são apenas suplementos, que podem ajudar o sistema a criar mais defesas, o que no seu caso é óptimo. Claro que continuará a ter crises, mas… Tome-os, por favor. Ajudá-la-ão no seu dia-a-dia, para que não se sinta tão cansada.

Olhei novamente para o embrulho que me dera. A sua voz pareceu-me tão sincera, que não pude recusar o seu pedido.

- Obrigado! – Disse. – Eu… prometo que os vou tomar.

- Obrigado eu.

Nesta altura olhei para as horas e dei um salto, em pânico.

- Meu Deus, estou super atrasada.

- Peço desculpa, a culpa é minha. Quer que a deixe em algum sítio?

- Não, obrigado. Não pense que o estou a pôr na rua, mas tenho aulas daqui a cinco minutos.

- Claro… Aulas? Não sabia que estudava.

- Sim, na Faculdade das Artes. – Disse, enquanto saiamos e trancava a porta.

- Uma artista…

- Não. Uma amante das artes.

- Gostava de ver isso.

Sorrimos os dois e descemos as escadas até á rua. Agradeci ao Doutor Jaime mais uma vez e despedi-me dele, com um amigável aperto de mão. Ele, sempre muito simpático retribuiu o cumprimento, e seguidos ambos caminhos opostos. Não sei que me passou pela cabeça então. Talvez fosse pelo gesto atencioso do Doutor, ou talvez porque o achasse bastante atraente. Só sei que voltei atrás…

- Doutor Jaime. Se quer mesmo ver, daqui a duas semanas temos um espectáculo… É a nossa maneira de fecharmos o ano. O espectáculo vais ser no palco do teatro da faculdade. Se puder ir…

- Vou com certeza. E estarei na primeira fila.

Sorri novamente e segui então o meu caminho. Desta vez mantive o passo e o sorriso que tal resposta me dera.

 

 

  •  

Na segunda parte de “ Um feliz Natal”:

- Mel faz provas para cantar na banda, mas será que entra?

- O espectáculo de Fim de Ano começa, e o Doutor Jaime cumpre o que prometeu… Mas ele não é o único a ver o espectáculo, e a Mel pode ter uma surpresa.

 

Aproveito também para me desculpar pelo tempo que tenho demorado a postar. Faço o que posso... Até ao fim da História. Beijos para todas as que seguem a fic, e obrigado pelos comentários e apoio. Agradeço que também façam criticas. A vossa opinião é essencial para melhorar. ;)

 

 

 

 

publicado por nuncamaissaiodaqui às 00:58

Está tão giro! *.*
Fabi a 23 de Novembro de 2010 às 22:09

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