16
Nov 10

De manhã acordei com a algazarra habitual de um hospital. Medir tensão, tomar medicamento, conferir se o cateter está no sítio… um infindável círculo de tarefas que já me eram tão familiares, que poderia fazê-las sozinha e de olhos fechados. A hora do pequeno-almoço chegou e pude finalmente comer. Antes porém, retiraram-me o cateter e disseram-me que tivesse paciência, que o Dr. Jaime viria ter comigo logo que fosse possível. Fiquei bem mais animada, de estômago cheio e sabendo que em breve viria o médico para me dar alta, tal como me prometera. A única coisa que me assombrava era a imagem do David, saindo porta fora, cabisbaixo. Sabia que o tinha magoado, que talvez nunca mais me perdoasse pelo que fizera. Mas também eu tinha sido magoada, e não tencionava sê-lo novamente. E depois, a confiança que sentia nele tinha-se desvanecido, desde a noite da gala da claque. Ainda não sabia até que ponto o David estava ou não envolvido, e não queria saber. E mesmo que não tivesse, deixara-me sozinha, abandonada, trocada por uma ex-namorada que era agora uma melhor amiga, e tinha mais poder sobre ele que os seus sentimentos por mim. Que amor era aquele, que dissera sentir por mim…?

- Bom dia, Mel?

Fui subitamente acordada pela voz do Dr. Jaime, que me tirou completamente dos meus pensamentos.

- E como se sente hoje?

- Muito bem, obrigado. E tenho a certeza de que me irei sentir melhor quando me mandar para casa. – Disse com um sorriso, tentando convencer o médico a passar-me a nota de alta e tentando mostrar o quão bem já me sentia. O Dr. Jaime percebeu e rasgou um sorriso amável.

- Isso ainda iremos decidir, depois de ver a sua ficha e os resultados de hoje.

Encostando-se á parede, abriu o dossier que trazia debaixo do braço e, com ar compenetrado começou a lê-lo. De vez em quando via-o franzir o sobrolho e olhar para mim, como se tentasse analisar alguma coisa. Eu não sabia se me havia de manter quieta e séria, ou fazer um ar de quem não estava minimamente atenta ás expressões que mostrava. A espera era infindável, e de repente passou-me pela cabeça que pudesse estar tão mal que nunca mais iria sair dali. Tentei controlar-me mas o medo disso acontecer apoderou-se de mim e empalideci.

- Que cara é essa Mel? À pouco parecia bem mais confiante e bem – disposta.

- Demorou tanto tempo a olhar para a minha ficha que pensei que tivesse encontrado algo…

- Realmente…

Paralisei.

- Levante a camisa, se faz favor. Preciso auscultá-la.

Fiz o que me pediu. Arrepiei-me ao sentir o estetoscópio frio na minha pele e abafei um som de estremecimento. Quando se aproximou mais olhei directamente nos seus olhos e constatei mais uma vez a sua beleza.

- Parece tudo bem, apesar de um pequeno ruído que me pareceu ouvir vindo dos pulmões. Não esteve constipada recentemente?

- Recentemente não. Só no inicio do Verão, mas já lá vão uns meses.

- Não andou á chuva, apanhou uma corrente de ar?

Fiz um momento de silêncio. Tinha andado á chuva á pouco mais de uma semana, mas deveria contar?

- Talvez tenha apanhado umas pinguitas, á uns dias atrás.

- Ah! Então está explicado.

- Mas ainda posso ir para casa, não posso? Quer dizer, eu não me cheguei a constipar e tenho andado bem.

- Se andasse bem não estava aqui connosco.

Baixei a cabeça, desolada. Era mais que óbvio que alguma coisa não estava bem e provavelmente ainda teria de passar mais tempo internada.

- Mas penso que pode ir para casa…

 Quase saltei da cama ao ouvir estas palavras.

- …Desde que tenha alguns cuidados e siga á risca o que lhe vou dizer.

- Sim, prometo.

O Dr. Jaime riu-se novamente.

- Acho que neste momento você prometeria qualquer coisa só para eu a mandar embora.

Corei. Não conseguia disfarçar a ansiedade que sentia, e a pressa que tinha em sair dali para fora. Era tudo verdade.

- Bom, em primeiro lugar vai ter de tomar algo para esse “miar” que vem dos seus pulmões. Se não tratar disso, corre o risco de vir passar uma temporada connosco, e dessa vez serão uns bons dias.

Acenei que sim com a cabeça.

- Depois, vai prometer-me que vai começar a ter muito cuidado consigo. Todos os sintomas que apresenta são sinais de descuido. Sabe que não se pode brincar com o que tem.

Acenei mais uma vez.

- Óptimo. Então vista-se que eu volto já.

Nem foi preciso dizer-me duas vezes. Mal o Dr. Jaime saiu do quarto, saltei da cama e procurei pela minha roupa. A Ana tinha metido tudo dentro de uma mochila, roupas, documentos e objectos pessoais, por isso foi fácil encontrar o que queria. Depois de lavada e vestida agarrei no telemóvel e liguei à Ana para que me fosse buscar, assim que pudesse. Não fazia ideia de quanto tempo mais teria de esperar, mas tinha esperança de que não fosse muito. Os hospitais davam-me falta de ar. Precisava do ar frio e puro das ruas. Bem, talvez o ar em Lisboa não estivesse lá muito puro, mas pelo menos era ar livre, e não aquele que se respirava entre quatro paredes. Desliguei o telemóvel com um sorriso na cara.

- Juro-lhe que nunca vi ninguém vestir-se tão rápido como a Mel.

A voz do Dr. Jaime assustou-me.

- A nota de alta já está assinada. A partir de agora pode sair quando quiser.

- Estou só á espera que me venham buscar. – Respondi.

- Então ainda tenho tempo de lhe fazer algumas perguntas.

Franzi o sobrolho, em tom interrogativo. “Perguntas? Que tipo de perguntas?”

- O Dr. Barros disse-me que não valia a pena marcar consultas, porque a Mel nunca aparece.

- Geralmente só vinha ter com o Dr. Barros em casos urgentes. Ele e eu já nos conhecemos há muito…

-Eu sei. Mas se for eu a pedir-lhe que venha…

Notei um certo constrangimento nas palavras do Doutor, e por momentos pareceu-me vê-lo corar. Fingi não notar, como se estivesse numa conversa normal entre médico e o seu paciente.

- Vou fazer exactamente o mesmo. – Respondi.

- Hum! Calculei que o fizesse. De qualquer forma, se precisar de alguma coisa, venha ter comigo.

- Com certeza.

- Ah! Só mais uma coisa. Confirme a sua morada e o seu número de contacto à saída.

- Pensava que tinham isso tudo actualizado.

- Com o Dr. Barros, sim. Mas sou eu que a vou seguir agora, e quero ter tudo certo, no caso de precisar de alguma coisa.

- Está bem. Eu passo pela administrativa para deixar lá os dados.

- Muito bem. Então até breve, Mel Andrade.

“ Até breve? O Dr. só pode estar a gozar, certo?”

Desapareceu tão rapidamente que nem tive tempo de responder. Um toque do telemóvel avisava-me que a Ana tinha chegado e estava á minha espera. Agarrei nas minhas coisas e saí, sem olhar para trás uma única vez.

 

  •          

O Benfica empatara no jogo desse fim-de-semana. Estavam em segundo lugar da tabela e a quatro pontos do líder, o grande rival de sempre, FCPorto.

David não gostava de empates. Era um  vencedor por natureza, por isso ou era ganhar, ou nada. Já todos tinham saído do balneário. Ele fora último a sair. Segundo o Ruben era porque demorava muito tempo a “compor-se”. Segundo ele, era porque não tinha pressa alguma em chegar a lugar nenhum…

Mesmo á saída esbarrou com uma das raparigas da claque. A princípio não reparou quem era, só a voz desta lhe despertou a atenção.

- David! Pensava que já não estivesse aqui ninguém.

- Patrícia… Tou precisando falar com você.

- Comigo?

David agarrou no braço de Pat e arrastou-a de volta ao balneário. A sua face expressava dor e raiva. Muita raiva.

- Ai, David. Pára. Estás a magoar-me.

 - Que história é essa, de você ter ligado p´ra Carol dizendo p´ra ela vir p´ra cá…

- Quem foi que te contou isso?

- Ela mesma. Por isso não adianta negar.

- David, eu sei o que isso pode parecer, mas eu só o fiz porque estava preocupada contigo.

- Eu não pedi p´ra você se preocupar comigo. Aliás, eu nem me lembro de ter dado a você autorização pra se meter na minha vida. SE enxerga garota, que eu nem te conheço.

- Eu sei. E peço desculpa pelo meu erro. Mas a Soraia disse-me que tinha ouvido uma conversa da Mel e da Inês, e ficou preocupada.

-Que conversa?

- Uma conversa em que a Inês dizia á Mel que lhe tinha saído a sorte grande, e ela veio ter comigo e contou-me. Depois ficámos com medo que ela só andasse contigo por interesse.

- Isso é ridículo. A Mel nunca faria isso.

- Eu sei disso agora, mas na altura eu não conhecia bem a Mel, e achava que ela podia ser uma interesseira. Eu só fiz o que me pareceu melhor. Eu entrei em contacto com a Carol, porque achei que ela podia ajudar-te.

- E o que você fez gala. Também estava querendo me ajudar?

- David, aquilo foi um terrível engano. Eu fui induzida em erro. Toda a gente me falou cobras e lagartos da Mel. E eu não a conhecia. Só sabia o que me contavam. Tu sabes que eu não vejo maldade em ninguém. Eu sou amiga da Soraia há muito tempo, e a Carol sempre foi uma querida. Em quem é que tu acreditavas? Em pessoas amigas, que conheces há que tempos, ou numa pessoa que chegou assim do nada, e que ninguém sabe de onde vem, que é…

David mudou de expressão, e Pat viu que as suas palavras começavam a surtir efeito.

- Eu sei que tu estás magoado, e que as coisas entre vocês não têm estado muito bem… Mas eu também não tive culpa. Eu não me devia ter metido na tua vida, é verdade, mas… eu fiz isso porque gosto muito de ti. Tu sabes… Toda a gente te adora. Eu tive medo que tu tivesses a ser enganado.

David baixou a cabeça e saiu. Ele entendia as razões que levaram a Pat a fazer isso. Ambos tinham sido enganados por pessoas que julgavam ser de confiança. Ele não podia culpa-la. Ele teria feito a mesma coisa por alguém de quem gostasse.

Pat apressou-se a sair do balneário e dirigiu-se para a “ Catedral da cerveja”. Tinha de ter uma conversa muito séria com Soraia.

Mal entrou, encontrou-a atrás do balcão e fez-lhe sinal para que a seguisse. Soraia nem hesitou. Sempre que a sua amiga Pat chamava, ela ia, e não questionava.

- Segue-me. – Disse Pat, em tom autoritário. Esta conduziu-as até á rua, para um local resguardado de todos.

- Que se passa?

- Ouve, se o David ou alguém te perguntar tu vais dizer que foste tu que me pediste para falar com a Carol. Dizes que a ideia foi tua.

- Pat! – Soraia mostrava-se irrequieta. – Que se passa? Porque é que eu tenho de dizer isso?

- Porque eu te estou a dizer para o fazeres. Ouve, o David veio ter comigo. Aquela estúpida da Carolina disse-lhe que fui eu que a contactei. Por isso eu disse-lhe que foste tu que me pediste porque ouviste uma conversa da Mel e da Inês. É claro que ele sabe que a conversa é uma invenção, mas ele pensa que é uma invenção tua.

- Mas assim ele acha que sou eu a culpada de tudo.

- Exacto. És mais esperta do que eu pensava.

- Mas, Pat. Ele é o David Luiz. E ele namorava com a Mel. E agora acabaram por causa desses esquemas que tu inventaste, e eu posso ficar queimada aqui dentro.

- Pois é linda. Isso é uma pena. Mas é melhor seres tu do que eu, certo?

Soraia nem queria acreditar no que estava a ouvir. A sua amiga Pat… Ela acreditara nela, tinha-a como uma verdadeira amiga e confidente. Ela ajudara-a quando ela tinha precisado, e agora estava aí a paga.

Pat viu a hesitação nos olhos de Soraia, e tornou a ameaçar.

- Ouve, é bom que confirmes tudo o que te disse, senão vais ser muito pior para ti. E mesmo que não o faças, achas que as pessoas vão acreditar em quem? Em mim, que sou filha de sócios importantes do clube, capitã da claque e faço parte desta casa desde que nasci? Ou em ti, uma empregadita de mesa que ninguém sabe o nome?

Soraia sabia que Pat tinha razão. Mesmo que ela não confirmasse, nunca iriam acreditar nela. Esta havia-a encurralado!

 

 

 

 

 

 

publicado por nuncamaissaiodaqui às 16:12

comentários:
Sandra acredito que nao seja facil arranjar temopo mas eu amo a tua fic. Por isso continua.
Aquela pat é mesmo irritante! :P
Beijocas
Catia a 19 de Novembro de 2010 às 12:20

Vou postar aqui a fan fic da Sandra. Espero que gostem :)
Agradecimento
Muito obrigada a todas que comentam a fan fic :D