16
Set 10

O início do Outono começava a fazer-se sentir, e apesar do calor que ainda estava, a chuva espreitava. O meu horário andava apertadíssimo. Na faculdade os ensaios para a peça de fim de ano estavam super atrasados, e por isso todos os tempinhos livres eram aproveitados para nos juntarmos a ensaiar. No trabalho, a mesma roda viva de sempre que nos últimos dias redobrara devido aos bons resultados do Benfica, tanto no campeonato como na champions. E em relação à claque tive de reduzir o número de treinos. Era incapaz de estar em dois sítios ao mesmo tempo. E depois, a única coisa que me fazia permanecer aí era o facto de conseguir ver o David Luiz nos jogos, mesmo que fosse só de relance. De resto o meu convívio com a Patrícia era cada vez pior, e já nenhuma fazia questão de o esconder. O ambiente era de cortar á faca, e eu já começava a pensar como a Ana, que sempre fora contra a minha entrada na mesma.

Sempre que tinha tempo, o David passava pelo restaurante, e ás vezes comia qualquer coisa por lá. Como eu estava a trabalhar não podia ficar na conversa com ele, mas ao menos via-o. Ele fazia questão de me mandar sempre um daqueles sorrisos que me punha bem-disposta o resto do dia. Começava a tornar-se estranha esta nossa relação de amizade. Comportávamo-nos como amigos mas sempre que o meu olhar fixava o dele sentia que havia mais qualquer coisa. Sabia que o meu afecto por ele estava já muito longe de ser o de um amigo, mas não percebia bem onde se enquadrava. E além do mais lutava com todas as minhas forças para que não passasse disso. Orgulhava-me de ser sua amiga, era um autêntico privilégio, mas negava tudo o resto. Todos estes sentimentos contraditórios reflectiam-se já no meu comportamento, e tornava-se cada vez mais difícil esconder ou negar.

- O David Luiz esteve cá outra vez. – Disse o Bruno. – Ultimamente não deve ter comida em casa…

- Em casa? És mesmo totó. Achas mesmo que ele come em casa?

- Não Inês, não acho. Acho que ele vem comer aqui na “Catedral”, e este tornou-se o seu restaurante de eleição. Deve gostar mesmo do SLB, aquele rapaz.

- Eu bem sei do que ele gosta. – Respondeu a Inês virando-se para mim. Mais uma vez fingi que não ouvi. Mas sabia que não ia ficar por ali. Já conhecia a Inês demasiado bem. Assim que o Bruno saiu ela aproveitou para mais uma sessão de ironias.

- Eu sei do ele gosta, e garanto que não é da comida.

- Inês, por favor. Estou a almoçar. Posso ao menos comer em paz, sem te ter a moer-me o juízo?

- Ok, ok. Já vi que isso hoje está mau.

- Estou cheia de trabalho, mal consigo uma brecha para descansar, e com isto tudo nem tempo tenho tido para falar com o…

Parei de repente ao perceber o meu deslize, mas era tarde demais. A Inês topou logo a quem me referia.

- Pois, estou a ver…

Aquela frase por terminar suou pior do que se a tivesse completado. A cara dela dizia o resto, e eu não ia gostar. Fixei-a á espera.

- Oh, pronto está bem. Eu vou dizer tudo o que penso, mas não vai ser novidade para ti. Vocês estão os dois pelo beicinho. Andam nesta coisa de serem só amigos porque isto e porque aquilo, mas a verdade é que estão os dois mortinhos para caírem nos braços um do outro. Aliás, só nos braços não. Isso para mim resolvia-se de uma maneira muito simples: na cama. E acabavam-se logo as dúvidas.

Olhei-a estupefacta, mas ela continuou.

- É tão óbvio Mel. Qualquer pessoa que passe 5 minutos com vocês consegue ver os olhares, e olha que o David tem vezes que te come só de te olhar. Eu sei, eu já vi. E tu não lhe ficas atrás. Depois são os toques, os sorrisos. Não conseguem estar ao pé um do outro sem sorrirem ou se tocarem. “Ai, agora tens uma madeixa de cabelo na cara”, e nisto lá vai uma festinha, “ Ai, agora fez dói-dói nos treinos”, e pega na mãozinha. Por favor, arranjem um quarto e resolvam-se.

Continuava de boca aberta para ela, e apesar de achar que fora bastante vulgar no que acabara de dizer, não consegui e soltei uma gargalhada. Queria parecer séria, dar-lhe um grande sermão pelo que acabara de dizer, mas em vez disso tive um ataque de riso do maior que pode haver. Finalmente consegui respirar fundo e falar.

- Bom, se for assim como tu dizes, espero que mais ninguém faça essa análise como tu acabaste de fazer. Foste bastante vulgar agora Inês.

- Eu sei, e peço desculpa se me excedi, mas fi-lo precisamente para ver se te decides rapariga. O David tem centenas de raparigas a jogarem-se aos seus pés. Até quando achas que ele vai esperar por um gesto teu que o faça avançar?

  •      

Apesar de não concordar totalmente com a Inês, o que ela me disse fez-me pensar o resto do dia. Não considerava que gostar de uma pessoa fosse só físico e que se passássemos para esse nível ficaríamos com a certeza de que havia algo mais para além da amizade. No entanto devo admitir que ele me atraia bastante. Tudo nele me deixava KO. O sorriso, o cabelo, o cheiro, o corpo… Meu Deus, o corpo. Era quase impossível para mim eleger o que mais me atraia naquele corpo tão bem esculpido.

 Estava assim envolta nestes pensamentos, quando uma voz me despertou.

- Qual é a graça?

- Hum? O quê? – Abri os olhos e dei de caras com o David. “ Não pode ser bom.”, pensei.

- Você tá sorrindo. Me diz aí o que é que te faz sorrir dessa maneira.

“Não queiras saber”

- Nada. Nada de especial. Eu só… lembrei-me de uma cena. O que é que tu estás aqui a fazer? Não tinhas treino? Acabámos mais cedo e eu resolvi passar por aqui. Queria te fazer um convite.

- Convite? – Olhei-o desconfiada.

- Sim. Você gosta de viajar?

- Gostar, gosto, mas não costumo fazê-lo muito. Porquê?

- Já esteve em Espanha?

- O máximo que já sai de Portugal foi até Badajoz, e isso já é Espanha, por isso pode-se dizer que sim.

- Quer ir comigo p´ra Espanha?

-Hã? – Novamente a minha expressão de pateta. Parece que era o dia de todos me verem com ar confuso. – Mas, porque é que eu iria contigo para Espanha?

Lembrei-me do que a Inês me dissera, sobre mudar de atitude em relação a ele, e apressei-me a emendar a pergunta.

- Quer dizer, porque é que me estás a convidar para ir contigo?

- Porque o Savi me convidou pra passar o fim-de-semana lá com ele. A mim, o Ruben e o Javi, e eu me lembrei de convidar você. Todos eles estão namorando já, e eu não queria ir sozinho.

- O Ruben não tem namorada.

- Ah, mas o Ruben não vale. Eu estou com ele todo o dia, pô, ma dá uma ajuda aqui, vai. Não quero ficar de sobra com o Ruben.

- Mas porquê eu? E se eu for fica o Ruben de fora.

- Porque eu gosto de você…

“O QUÊ? Ele acabou de dizer que gosta de mim?”

- Quero dizer, eu gosto de falar com você, da sua companhia, você sabe. Não me faz explicar… depois você pode levar uma amiga sua, pra servir de companhia para o Ruben.

- Não sei David. Isso deve ser muito caro, e eu não posso. Por muito que eu queira, vou ter de recusar.

- Eu não perguntei a você de dinheiro. Não se preocupa com isso não.

- Nem penses. Nunca em tempo algum eu iria consentir que alguém pagasse por algo que fosse de minha responsabilidade pagar.

- Mas eu tou convidando…

- E eu estou recusando. Agradeço, mas isso está para lá das minhas possibilidades.

  •   

O convite do David tinha-me deixado bastante tentada. É claro que quando a Inês soube começou com as suas teorias, de como eu mais uma vez fora burra de ter recusado um convite desses com tudo pago. Mas era uma questão de princípio, a Inês nunca iria perceber. Não porque não os tivesse, mas porque ela via o mundo de maneira totalmente diferente da minha.

Sexta-feira houve jogo fora, e aproveitei que as coisas estavam mais calmas e saí mais cedo. Alguém tinha decidido que esse seria o nosso fim-de-semana de descanso, e eu agradeci. O cansaço começava mais uma vez a fazer-se notar.

Cheguei a casa e estranhei pois a Ana ainda não tinha chegado. Não era hábito. Era eu a que chegava sempre tarde. Como estava com fome fui comendo. Acendi a televisão e olhei ao telemóvel para ver se não me tinha ligado. Nesse momento entra a Ana.

- Oi, já cá estás? Vieste cedo.

- E tu mais tarde que o normal. Aconteceu alguma coisa.

- Não… sim… Quer dizer… mais ou menos.

Franzi o sobrolho em tom de interrogação.

- Decides-te? Passou-se ou não alguma coisa.

- Prometes que não te zangas comigo?

- Porque é que me haveria de zangar contigo? Ana, o que é que fizeste?

- Amiga, eu só te quero ver bem, sabes isso não sabes?

Olhei-a ainda mais desconfiada. “ Mas o que raio é que ela fez?”.

- Sabes, é que o David veio falar comigo, e ele gostava tanto de te levar. Eu acho que ele gosta mesmo de ti, sabes?

- Ana, pára de rodear e fala de uma vez.

- É melhor fazeres as malas. – E esticando a mão entregou-me dois papelinhos. Um deles tinha o meu nome.

- Isto são as reservas do sítio onde vamos ficar. Ele reservou um quarto para nós as duas e pagou, para tu não puderes recusar.

- O quê? Eu não acredito que ele tenha feito uma coisa dessas. E tu ajudaste?

- Eu posso ter comentado em tom de brincadeira que se já tivesse tudo tratado, seria mais difícil para ti recusares.

- Ana, tu não tinhas esse direito. Nenhum dos dois tinha esse direito. Acaso pensam que podem decidir as coisas por mim? E quem é que ele pensa que é,

- Mel, ouve. Eu sei que estás chateada, e eu compreendo porquê. Mas pensa um pouco. Tu também precisas de descansar, e ele quer mesmo levar-te. E o dinheiro não é problema para ele.

- Mas é para mim. O que achas que os outros vão pensar quando me virem fazer esse tipo de coisas á custa dele?

- Esquece os outros, caramba. Está na hora de pensares em ti. Não foi por isso que vieste para Lisboa?

A Ana tinha razão. Eu não devia ligar aos outros, mas o facto de terem feiro as coisas nas minhas costas, irritava-me profundamente.

- Vá lá Mel, não digas que não. Ele vai ficar tão triste se tu não fores. E eu sei que tu queres ir. Diverte-te rapariga. Vive a vida. Não é esse o teu lema?

Assenti com a cabeça, “ Está bem, vamos para Espanha passar o fim-de-semana”.

 

publicado por acordosteusolhos às 20:22

comentários:
Mais capítulos por dia sff
Anonimo a 16 de Setembro de 2010 às 22:06

Vou postar aqui a fan fic da Sandra. Espero que gostem :)
Agradecimento
Muito obrigada a todas que comentam a fan fic :D